A manhã é ainda uma criança, em Pango-Aluquém. Uma forte neblina oculta o céu no município. A neblina é ofuscante. As árvores estão retesadas e as folhas revestidas de orvalho. Os galos cacarejam, a anunciar, insistentemente, o alvorecer. O Rei-Sol tarda a aparecer. Muito próximo da residência onde estou instalado diviso, difusamente, um jovem. Está sentado, no tronco de uma árvore. Descalço. Cabelo por pentear. Tem o olhar fixo no objecto que tem entre mãos. Um caderno. Vira e revira as folhas. De cima para baixo, de trás para a frente. Distrai-se por momentos.
Carlos Alberto
O jovem António Manuel mora no bairro Quifolo. Não dá pela minha presença. Ou faz de conta. Alguns minutos depois apercebe-se que alguém está ao seu lado. Esboça um sorriso tímido. António Manuel tem 17 anos e estuda a sétima classe, na escola do 2º e 3º níveis, inaugurada em meados do ano passado. O estudante reconhece que está bastante atrasado e quer recuperar o tempo perdido. Por isso dedica-se, com afinco, aos estudos. A nova escola veio dar uma lufada de ar fresco ao ensino em Pango- -Aluquém. No seio da juventude existe uma vontade férrea e total de abraçar os estudos. A distância parece não cercear tal desiderato. É inquestionável! João Francisco mora em Quimbundo e estuda em Quifolo. Está no último ano do 3º nível. A sua povoação dista a cerca de uma dezena de quilómetros da escola. Mas caminha todos os dias a pé para aprender a raiz quadrada, melhorar a sintaxe e conhecer o número de comunas existentes na província de Malanje. É forte o empenho da juventude. João Francisco representa o naipe de jovens que diariamente consente um duplo sacrifício: estudar e desbravar o campo. Os jovens provenientes da Benza, Banza, Aldeia da Missão, Catanda, Dungui, Dungo e de outras localidades estão nos mesmos preparos e arregaçam as mangas.
Em Pango-Aluquém, até 1978, só se leccionava a 4ª classe. Em 1979, o 2º nível funcionava numa estrutura provisória, no Pango Velho. E só o ano passado o município passou a contar com uma escola que abarca o ensino até ao 3º nível.
Mário Sebastião, director da escola, diz de sua justiça. Muitos jovens já há muito reivindicavam o alargamento do ensino até ao 3º nível. Mas estavam a pregar no deserto. E muitos, de facto, fizeram uma verdadeira travessia no deserto, porque não dispunham de condições financeiras para prosseguir os estudos fora do município.
Não há bela sem senão. Ou seja, depois da tempestade, a bonança. E para agrado de todos, eis a escola erguida imponentemente no Quifolo, no desvio do Pango Velho. Quatro para o 2º e 3º níveis, e duas para o recém formado núcleo do ensino médio, cujo arranque aconteceu em Janeiro deste ano, nas vertentes Geografia e História. A estrutura escolar está apetrechada de carteiras, e sala directiva, na qual funciona, igualmente, a sala de professores.
Se tudo parece caminhar como de um mar de rosas se tratasse, um senão que o esboço arquitectónico se esqueceu de conceber: a construção da residência para professores. Mário Sebastião caracteriza esta lacuna como uma falha crassa, porque a sua existência é fundamental para cativar as mulheres e homens do giz.
António Manuel é aluno de uma das oito escolas existentes no município. As restantes estão disseminadas por outras povoações, nomeadamente na comuna do Cazuagongo, nas povoações de Gombe ya Muquiama, Kita, Quimbundo, Dungo, Dungui, entre outras.
Se retirarmos António Manuel, ainda restam 1308 matriculados no ensino nos quatro níveis de ensino em Pango-Aluquém. No ensino médio estão 84. Seguem-se 874, no 1º nível. No 2º, 219 e 3º, 127, respectivamente. Para completar o cenário, estão de giz e esferográfica em riste 56 professores.
O quadro de ensino é particularmente satisfatório, desabafa o administrador municipal, Daniel João "Macosso". Este puxa pelos seus galões e afirma peremptoriamente a inexistência de crianças fora do sistema escolar. Apesar deste êxito, a administração está de mangas arregaçadas, para construir mais escolas, estando já em perspectiva uma na Aldeia da Missão. Já existe uma escola nesta povoação, pertencente à igreja Católica. Tem duas salas de aula, só que a sua estrutura, dia após dia, está a desmoronar-se. As paredes são inexistentes. As carteiras são insuficientes. E a escola, na qual já desabrocharam valiosos e talentosos quadros da terra, reclama pela sua reabilitação, pois o tempo urge...
Energia eléctrica parcialmente funcional
A monotomia que as populações de Pango-Aluquém vivem é quebrada diariamente, às 18 horas, quando se faz sentir o roncar, quase que imperceptível, do gerador de 250 kva, localizado nas imediações do centro médico.
O município desperta quase de uma sonolência vivida durante todo o dia. A iluminação pública faz ganhar outros contornos e cambiantes. A música, alta e estridente, proveniente de algumas lanchonetes, faz vibrar os corpos retesados e sôfregos, bambolear as bundas, o sapatear num ritmo frenético e envolvente e o sorver de uns bons tragos de maruvu.
Infelizmente a noite iluminada só contagia, por enquanto, a zona do Pango Novo. As outras áreas continuam às escuras como o breu, excepção feitas nas noites de luar. Para já, há garantias do administrador Daniel João "Macasso" de dar vitalidade nocturna, nos próximos tempos, ao Camissonji e Benza. Estas serão as próximas etapas.
Para consumação deste objectivo, a administração aguarda pela chegada de mais cabos eléctricos. Em perspectiva, a expansão da rede eléctrica vai atingir Banza, Catanda, Quibundo e Dungo. No entanto, o actual gerador não chega para todas as encomendas. Em carteira, está gizada a aquisição de um outro.
O fornecimento da luz eléctrica acontece de segunda à sexta, das 18 às 24 horas. Dilata-se o tempo aos fins-de-semana. Sábados e domingos, os munícipes desfrutam-no, sem interrupções, até às seis da manhã.
Mas nem tudo é ouro sobre azul. Vezes sem conta o município de Pango-Aluquém depara-se com dificuldades mil para dispor de combustível. A vontade da administração esbarra, nesta altura do ano, com o actual estado degradante da estrada. Há dias, um camião cisterna fretado, com 1600 litros, resvalou no terreno acidentado do "Siriaco", uma área na qual se põe à prova a agilidade e a habilidade de qualquer motorista. Entretanto, em função da queda da viatura, o tanque jorrou enormes quantidades de gasóleo e redundou em enormes prejuízos para as populações.
No Pango não há água potável. As populações recorrem ás nascentes dos rios, riachos e cacimbas, para deles obterem a água. A água há muito devia jorrar das torneiras, conforme desejo das populações, se a empresa a quem foi adjudicada a empreitada não a abandonasse sem dar cavaco, em Junho de 2006. O projecto faz parte do Programa da Melhoria e Aumento da Oferta de Serviços Sociais Básicos às Populações. O objectivo era nobre e consistia na reabilitação do sistema de abastecimento de água e posterior distribuição.
A administração municipal sabe que a questão nada tem a ver com a falta de pagamento. Por isso remeteu documentos à Direcção Provincial do Plano para me-lhor esclarecimento do caso.
Paradoxalmente, segundo nos assegurou Daniel "Macosso" não existem casos de cólera. Na comuna de Cazuagongo há ocorrências de casos diarreias agudas mas, em suma nada de muito preocupante.
A agricultura em primeiro plano
Mal o alvorecer se faz sentir em Pango-Aluquém, Teresa Alberto desfaz-se dos lençóis e levanta-se da cama. Tem o cabelo despenteado. Cobre-o com um lenço, multicolor, às riscas. São 5 horas da manhã. Está ainda meio ensonada, quando se dirige ao rio mais próximo, localizado nas imediações da povoação Banza, para transportar a água não tratada. Transportar água em Pango-Aluquém é trabalho cansativo e fastidioso. Não existem chafarizes. Para o rio, que faz um trajecto serpenteante, a ida afigura-se bastante fácil, o regresso é um ver se te avias, porque as pessoas são forçadas a escalar uma montanha.
Contudo, Teresa Alberto, vive sozinha, já conhece, de olhos vendados, o "métier" e desde pequena anda metida nestas andanças. Antes de partir para as lavras, junta uns gravetos, acende o fogo, ferve umas mandiocas e faz chá de caxinde, se tiver açúcar. Esta é uma variável da sua alimentação matinal. Senão resigna-se a aquecer a quizaca que cozeu de véspera.
Após degustar a alimentação, coloca a quinda à cabeça, e arranca de enxada e catana. Depois de muitos minutos, já está a desbravar o terreno. Teresa Adelaide só regressa à casa quando o Sol, timidamente, começa a esconder-se. Este é o ciclo, quase que imutável, de vida diária de Teresa Adelaide. A procissão diária. A senhora, de 59 anos, está apegada à vida do campo. Diz ela que gosta de sentir o cheiro bafejante da terra, o farfalhar das árvores, o chilrear dos pássaros, a frescura suave, a exuberância cativante da flora e o exotismo da sua paisagem, e esfrega as mãos de contente quando exibe, durante a colheita, a mandioca, o milho, a batata- -doce, a ginguba, a abóbora e o feijão, entre outros produtos.
Para trás ficou o sofrimento, retida que esteve, durante muitos meses, nas imediações da Açucareira de Caxito, onde se refugiou durante a guerra. O administrador do Pango-Aluquém, Daniel João "Macosso" reconhece que o regresso das populações, após a assinatura do Processo de Paz, carregou consigo inúmeros e variados problemas.
E de uma só penada, ele conta que as populações estavam desprovidas de tudo. Mas nem tudo estava perdido. Numa primeira fase, o Ministério da Assistência e Reinserção Social veio em socorro com panelas, pratos, roupas usadas e alfaias agrícolas.
No retorno à vida, experimentaram várias peripécias, mormente a falta de alimentos, e, paradoxalmente, até a fuba, numa terra potencialmente agrícola, vinha de Luanda. "Foram tempos deveras difíceis", assinala Daniel João. Removidos os escolhos iniciais, os cerca de oito mil habitantes já respiram outros ares. Envolveram-se de corpo e alma no cultivo e amanho da terra, e os primeiros resultados surgiram, aliciantes, e deram uma verdadeira sacudidela à crise que assolava e tornava deprimente a vida de milhares de almas.
Inicialmente, praticavam a agricultura de subsistência e familiar. O terreno do Pango é reconhecidamente bastante fértil, e hoje já a produção, aqui e acolá, é excedentária. Mas o esforço dos camponeses ainda não é compensado devido à falta de acutilância dos comerciantes existentes no município. Impotentes para escoar os produtos, muitas vezes assistem, impávidos à deterioração dos mesmos.
Alguns camponeses, inconformados, não atiram a toalha ao chão. Ensacam os produtos excedentários, em pequenas quantidades, e levam-nos para sua comercialização em Luanda ou em Caxito. Às vezes, estes "ensaios" não são bem sucedidos devido ao preço que pagam para a sua transportação - considerada bastante elevada - que varia entre 2 mil e 2.500 kwanzas.
No mesmo diapasão de dificuldades estão as fazendas de café - roças, outrora, pertencentes a grandes latifundiários - concedidas a determinados requerentes. Tudo foi feito no quadro da política do redimensionamento empresarial. No total, são 50. Tudo indicava que elas seriam recuperadas e reabilitadas. Até porque o município de Pango-Aluquém e zonas limítrofes sempre constituíram áreas potencial e exponencialmente ricas em café, nas mais diversas matizes.
Esfumado o sonho do café
O café, produzido em Pango-Aluquém, era de uma qualidade invejável, que levou a que muitos colonos, numa verdadeira cruzada contra o tempo, não resistissem à sua tentação. Assentaram arraiais. Então, nos 50/60, sem arredar o pé, afluíram, aos magotes, ao município - mesclado de montanhas e planícies, em Portugal são as lezírias - e o objectivo era, a qualquer preço, encher os bolsos. Era o verdadeiro assalto ao filão do bago vermelho. Deu-se início ao recrutamento da mão-de-obra das populações do Centro/Sul de Angola. Forçado, compulsivo e obrigatório. Em troca recebiam " peixe podre, fuba podre, pano ruim e cincoenta angolares", para parafrasear um refrão dum poema de António Jacinto. Estava consumada "a vida de contratado". Em fins de 60 e início de 70, o "boom" cafeícola veio ao de cima. Reza a história que os latifundiários estavam esmagadoramente confinados à zona do Pango Velho, para eles um verdadeiro oásis no deserto, enfim, um el-dorado por excelência. Os comerciantes - verdadeiros chico-espertos - estavam estabelecidos no Pango Novo, no qual estava instalada a administração colonial, com as forças repressivas.
Se tudo parecia pender para o renascimento da produção cafeícola, a maioria dos novos "fazendeiros" inverteu, com um apetite voraz e insaciável, completamente os papéis. Qual metediços em seara alheia, apontaram as suas baterias no abate - às vezes indiscriminado - de árvores, para a produção da madeira. E, num ápice, montaram nas roças moto-serras e outros instrumentos afins. E o negócio ganhou corpo. A exploração da madeira tornou-se recorrente. E o sonho do retorno à exploração do café desfez-se como um castelo de cartas.
Os mais audazes promoveram não só o abate de árvores como a sua transformação em madeira, localmente, através da montagem de serrações. Actualmente, existem duas. A mais recente é pertença do Grupo Africampos, instalada no Quifolo, nas imediações da Banza. A outra é propriedade da Manguxi, Lda. As populações aplaudiram esta ideia, na medida em que possibilita a compra da madeira localmente.
Nos dias que correm, as fazendas estão votadas ao abandono total. Entre muitas, contam-se as roças Almeida Chaves, Paulo Lda, Belo Horizonte, J.Costa, Sameiro, Sagri, São Miguel, Maria António, Boa Entrada, Quissocolo, Loô, Esperança.
A excepção é a fazenda "Bom Jardim", localizada em Cazuagongo, cujo proprietário lançou sementes à terra, para o cultivo, em grande escala, de bananal, laranjeira e outros produtos.
A exploração de uma fazenda implica o recrutamento de uma elevada mão-de-obra. Partilha deste pensamento Daniel "Makosso", o administrador, para quem as fazendas não podem continuar no estado de abandono. Por isso remeteu uma proposta ao governo provincial para que as fazendas nesta situação fossem entregues à outras pessoas.
3 comentários:
Fiquei altamente feliz por ver este Saite afinal tenho raises muito fortes com O Gombe ya muquiama felecidades e contem comigo
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